Há aproximadamente dois anos sou preceptora de internos de medicina na área prática da saúde pública, em estratégia de saúde da família. Quando iniciei no projeto era tudo novo e motivador, pelo fato de ensinar práticas diárias e rotineiras a pessoas ávidas por conhecimento, o saber, o transformar-se em médicos. Como esperado foi intenso, eu estudava bastante para não deixar dúvidas, aplicava casos inventados e reais, listas e mais listas de medicamentos, indicações e contra-indicações, e sempre tentando ressaltar o lado “humano”, diante a uma realidade pobre e insalubre. E como retribuição eu recebia o ar encantado, os olhos da descoberta, e milhares de perguntas e mais perguntas e mais pesquisas e trabalhos científicos que me acrescentaram em muito. Mas o tempo foi passando e a avidez pelo conhecimento foi cada vez mais diminuindo, o que muito me entristece.
Alguns procuram o conhecimento, estudam, se dedicam, mas nem se lembram quem é o doente, ou o que ele representa na sua família e comunidade, “é só um pobre que serve pra gente estudar”, pasmem, mas já ouvi isto. Outros não procuram nem o conhecimento e nem o interesse ao próximo, talvez tenham a falsa impressão de que a medicina traga riqueza. Triste.
Essa semana tive uma conversa/aula com um psiquiatra, e discutíamos sobre a saúde pública nesse país, e em um momento eu disse: Nossa a saúde mental deste país está no limbo, fui rebatida prontamente: não, está no inferno. Em outro momento eu disse: mas pediatra e psiquiatra são espécies em extinção, fui fervorosamente rebatida outra vez: não, médico é uma espécie em extinção, porque os “médicos” que se formam hoje em dia não se interessam nem pela doença e nem pelo doente, talvez sejam tecnólogos em medicina. Pensei... Repensei... E cá estou dividindo essa angústia...
Meu tempo de trabalho não é muito, mas percebo que já se parece muito com a de médicos mais experientes, de que as faculdades parecem estar preocupadas apenas com o dinheiro da mensalidade, e o pior, formam profissionais com esse mesmo ideal.
Lembro-me como a medicina era um sonho para mim e para muitos dos meus amigos no colégio e cursinho. Lutamos e estudamos muito, alguns conseguiram, outros ficaram pelo caminho. E tentamos desde então fazer o melhor, mesmo que com um “jeitinho brasileiro” de tentar de tudo com pouco, às vezes muito pouco.
Sei e sinto na pele a escassez de materiais, equipamentos e medicamentos, locais de trabalho sem ventilação, salário baixo, e falta de pessoal. E há vezes em que realmente penso em sumir e abandonar tudo... Mas aí me lembro do todas as carinhas que consegui ajudar, algumas realidades que pude elucidar uma melhora, bebezinhos já crescidos que dividem os primeiros passos comigo, crianças que voltaram à escola, raros adolescentes que estão na faculdade... Enfim sinto e vejo o quanto vale à pena. Sim, a medicina traz riqueza, grandeza, mas de alma e não de dinheiro.
Queridos colegas e futuros colegas, não desistam da essência que levaram vocês a escolher essa profissão, não vamos deixar que a correria/capitalismo destrua o nosso lado sensível, o poder e o dever de enxergar o outro.
Dedico aos meus amigos médicos e primeiros internos (Dani e Pedro) que fazem a diferença onde quer que estejam, pelo carinho, pela vontade, pelo caráter, pelo ser médico.