segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Stephen Hawking



Stephen Hawking, físico teórico e cosmólogo britânico e um dos mais consagrados cientistas da atualidade, é  sabidamente portador de ELA há mais de 40 anos, muito além da sobrevida média da doença, entre 2 e 4 anos. Acredita-se que ele seja portador de uma variante menos agressiva de ELA.

domingo, 30 de janeiro de 2011

A beleza das flores (parte 2 - a cuidadora)

Dona Tulipa é uma peça fundamental nesta estória, tanto que quis dedicar esse espaço a ela e também para que vocês conheçam essa flor, que parece já ter nascido pronta, que merece a cada dia maior admiração.
Dona Tulipa é uma mulher forte, de aproximadamente 45 anos que nunca teve o privilégio de poder desanimar na vida, casou-se muito moça e teve seus 3 filhos de forma alegre, apesar das suas dificuldades econômicas, sempre trabalhou fora para ajudar nas despesas em casa.
Conheci D. Tulipa assim que fui visitar D. Rosa pela primeira vez, ela muito calmamente me explicou que estava ali há alguns anos e que desde então eram grandes amigas e que poderia me ajudar no que eu precisasse. E assim aconteceu, conforme eu ia fazendo as perguntas elas conversavam em minha frente como se estivessem sentadas em um café só para distrair o tempo (recapitulando: D. Rosa era portadora de ELA e a única coisa que ela conseguia movimentar em seu corpo eram os seus olhos e alguns grunhidos ocasionalmente), me lembro da feição de D. Tulipa quando deve ter visto a minha cara embasbacada diante de tal situação, e ela apenas me acalentou: Logo a senhora também aprende... Pensei, será?
Diante da situação alarmante e triste de D. Rosa quis saber detalhadamente tudo, como era a família, como ela interagia com essa família e pude perceber que elas mantinham olhares misteriosos sobre alguns assuntos, de forma diferente e alegre elas até se divertiam.
Na perspectiva dessa personagem mágica os acontecimentos eram apenas parte da vida, e que ela estava ali somente para ajudar no que fosse necessário e como dádiva ainda tinha ganhado uma amiga, uma confidente. Assim, sem sofrimento e sem pesar.
O meu interesse sobre o caso de D. Rosa e o medo de D. Tulipa adoecer diante da situação, nos aproximou... Dona Tulipa era o anjo de D. Rosa e eu queria ser o anjo de D. Tulipa, solicitei exames, insisti a ela em um tratamento psicológico e ela tranquilamente apenas me respondia: não é necessário, eu nasci para essas circunstâncias.
Com a chegada dos exames, e alguns resultados desfavoráveis, fui até a casa de D. Rosa, mas para visitar desta vez D. Tulipa, lá chegando um susto, aquele ser calmo e alegre estava em desespero, aos prantos...  Aos poucos “conversando” com D. Rosa e D. Tulipa fiquei sabendo que sua filha “especial” tinha desaparecido e que a policia a tinha achado e a levado para um hospital, pois é acreditem, aquelas lágrimas presenciadas eram de agradecimento e não de desespero, ela parecia jamais se desesperar... E o mais surpreendente para mim, eu e D. Rosa tínhamos trocado palavras sem intérprete...
Dona Tulipa em horário comercial era cuidadora de D. Rosa e em casa era cuidadora de sua filha, a qual apresenta uma deficiência mental sem cura para a medicina até o momento.
Atordoada com a notícia apenas me indagava: como ela era tão forte, como ela conseguia com tanta serenidade e alegria, sem nunca esbravejar ou culpar o mundo pelas suas mazelas, assim como nós seres humanos atacados fazemos?
Aos poucos fui tentando fazer com que essa rocha, cuidasse melhor de si assim como cuidava de todos ao seu redor, e ela aos poucos foi me ensinando como a vida pode ser caprichosamente remendada em pequenos retalhos ora de alegria, ora de tristeza, ora de ser cuidadora e ora de se permitir ser cuidada...  Formando uma colcha, uma corrente de solidariedade, determinação, aprendizado, amor e alegria.
Dona Tulipa hoje é cuidadora apenas de sua filha, mas está à procura de um novo emprego que a deixe mostrar como se pode fazer a diferença quando se faz com amor e carinho.
Essa lição não é fácil, mas quando se presencia nos toca de forma transformadora.

Fernando Pessoa

"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis e pessoas incomparáveis".

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A beleza das flores (caso de ELA)

Rosa era uma dessas mulheres tradicionais, casada e feliz aos 30 anos com um filho, a espera do segundo. Dedicava-se a seus afazeres domésticos e sua família, no entanto durante a gestação começou a apresentar fraqueza nas pernas, a qual acreditou ser cansaço do seu próprio estado. A espera de uma nova vida lhe dava forças e alegria para trilhar novos caminhos...
A felicidade era completa quando a sua princesinha veio completar a família. Rosa então passou a se dedicar ainda mais aos filhos e marido, tudo era harmonioso conforme planejara. Mas com o passar do tempo a fraqueza em suas pernas limitava as suas atividades diárias, momento em que foi levada a uma consulta médica. O médico por sua vez solicitou os exames de rotina e deu lhe a noticia que estavam todos normais e a tranqüilizou liberando-a com vitaminas.
O tempo caminha e a persistência da fraqueza começa a incomodar agora toda a família. Rosa foi então levada para um centro mais especializado, foi submetida a exames mais específicos e dolorosos, era notável a progressão de tal fraqueza, agora acometia também os membros superiores e a pobre princesinha quase caía de suas mãos quando a segurava...
Após alguns exames foi notado perda da força e da musculatura de Rosa, e o diagnóstico por exclusão foi lançado: ELA (Esclerose Lateral Aminiotrófica). Mas o que é isto? Como se pega? Tem cura? E a minha bebê?  É uma doença degenerativa, blá, blá, blá... Momentos de angústia e tristeza se seguiram ao saber que tal diagnóstico vinha carregado de incertezas da medicina e com os piores prognósticos possíveis.
A família mobilizada não desanimou e a levou para fisioterapia, centros de referência, fonoaudiólogos, igrejas e rezas...
Mas o tempo passa e, as fraquezas e perda de movimento só progridem e chegam a atingir a fala.
Momento este em que me deparo com D. Rosa: Mas como pode ser? Como ninguém fez nada por essa mulher? E essa criança (a filha mais nova nessa época já tinha 4 anos), como elas interagem? Onde está esse marido? E os remédios? Mas ela não tem uma fisioterapeuta? Meu Deus, o que é ELA???
Pois é; voltei para casa arrasada e destinada a achar a cura para a ELA... Doce ilusão da ignorância: - a condição de impotência frente à doença é matéria que não se ensina nos bancos da faculdade e tive de aprender sozinha, ora aos prantos, ora olhando para aqueles olhinhos que me respondiam tudo, ou quase tudo.
Diante do inconformismo, levei até D. Rosa fisioterapeuta, fonoaudióloga, psicólogo, enfermeiro, enfim tudo que estava ao meu alcance; E pela primeira vez entendi o que era o trabalho multidisciplinar e o olhar de cada profissional num todo, a fim de gerar uma “qualidade” de vida para aquela paciente.
Fizemos placas de comunicação, colocamos os filhos em um maior contato com a mãe e em acompanhamento psicológico, apertamos os laços entre a família, ensinamos ou fomos ensinados pela cuidadora  e conhecemos o Sr Cravo.
Um ser humano à parte, dedicado a esposa e aos filhos de uma forma incansável, para ele não era necessário placas de comunicação... pelo olhar eles conversavam. E não é força de expressão, eu a presenciei “dizendo” a ele onde estava os exames ao quais eu necessitava, realmente impressionante e comovente.
Quando tudo parecia contornado e meu coração se aquietava a maior e louca notícia: D. Rosa está grávida. O que? Como? Não entendi... Era verdade!
A ELA mantém a sensibilidade, os esfíncteres e a libido, duvida? Pois é, eu acredito!
Inconformada, desanimada e enfurecida fui visitar D. Rosa, lá chegando tudo o que eu na minha pequena alma sentia desapareceu ao ver seus olhos... D. Rosa estava completamente feliz, a possibilidade de gerar uma nova vida, fez florescer nela uma nova vida.
Infelizmente ou felizmente, ainda não sei e penso sobre isso, D. Rosa teve um aborto após alguns dias, o que lhe causou profunda tristeza. Minha ação, simples, foi apenas tentar aproximar ela de seus dois filhos, e de verdade, ajudou.
Em 7 anos a patologia progrediu, acometeu o diafragma e musculatura pulmonar, levando D. Rosa de nós. Seus filhos enfim puderam ser crianças e o Sr. Cravo conseguiu tomar um banho sem ser incomodado após um árduo dia de serviço.  O amor não os deixou perceber a perda da infância, da individualidade, do ser marido e pai. Ao contrário, fez essas almas crescerem, evoluírem e serem como flores que por si só merecem admiração e cuidado.
D. Rosa me fez aprender que o importante não é a cura e sim a alegria de viver ao máximo o que se tem de melhor, a família, o amor, a espiritualidade, a amizade e o suspiro de vida.
Sr. Cravo passa bem, continua sendo um pai a agora também uma mãe dedicado. As crianças estão indo melhor na escola e agora entendem e reconhecem que a aquela criança grande, era a sua mãe.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Porque um blog?

       A criação deste canal de comunicação vem ao encontro da vontade de compartilhar a minha experiência médica na periferia da maior cidade do país.
        São estórias, que se tornam contos, fábulas e lições de vida. Que faz nós seres humanos pensar, refletir e na grande maioria das vezes agradecer.
        Quando estamos na graduação apenas nos preocupamos com a fisiologia, diagnóstico e tratamento da patologia em questão... na vida real de uma população carente as preocupações e danos são bem maior que a própria patologia.
         São seres humanos submetidos a um grande sofrimento diário, e a doença só é mais uma faceta deste enorme problema social.
         São recém natos por acidente, crianças criadas como bichos na rua, adolescentes escolhendo entre o árduo caminho da honestidade e o fácil do tráfico, adultos carentes e abnegados, cadeirantes sem cadeiras, idosos renegados e solitários...
         Acreditem diante desta atmosfera e fora do ambiente controlador dos hospitais, nós médicos também somos tocados, ora pelo sofrimento, ora pela alegria de que com tão pouco nós podemos fazer a diferença.
          Bem vindos ao mundo das patologias, dos doentes, da falta de recursos, do jeitinho brasileiro de fazer a diferença, de conquistas tanto de cura quanto de almas...