quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A beleza das flores (caso de ELA)

Rosa era uma dessas mulheres tradicionais, casada e feliz aos 30 anos com um filho, a espera do segundo. Dedicava-se a seus afazeres domésticos e sua família, no entanto durante a gestação começou a apresentar fraqueza nas pernas, a qual acreditou ser cansaço do seu próprio estado. A espera de uma nova vida lhe dava forças e alegria para trilhar novos caminhos...
A felicidade era completa quando a sua princesinha veio completar a família. Rosa então passou a se dedicar ainda mais aos filhos e marido, tudo era harmonioso conforme planejara. Mas com o passar do tempo a fraqueza em suas pernas limitava as suas atividades diárias, momento em que foi levada a uma consulta médica. O médico por sua vez solicitou os exames de rotina e deu lhe a noticia que estavam todos normais e a tranqüilizou liberando-a com vitaminas.
O tempo caminha e a persistência da fraqueza começa a incomodar agora toda a família. Rosa foi então levada para um centro mais especializado, foi submetida a exames mais específicos e dolorosos, era notável a progressão de tal fraqueza, agora acometia também os membros superiores e a pobre princesinha quase caía de suas mãos quando a segurava...
Após alguns exames foi notado perda da força e da musculatura de Rosa, e o diagnóstico por exclusão foi lançado: ELA (Esclerose Lateral Aminiotrófica). Mas o que é isto? Como se pega? Tem cura? E a minha bebê?  É uma doença degenerativa, blá, blá, blá... Momentos de angústia e tristeza se seguiram ao saber que tal diagnóstico vinha carregado de incertezas da medicina e com os piores prognósticos possíveis.
A família mobilizada não desanimou e a levou para fisioterapia, centros de referência, fonoaudiólogos, igrejas e rezas...
Mas o tempo passa e, as fraquezas e perda de movimento só progridem e chegam a atingir a fala.
Momento este em que me deparo com D. Rosa: Mas como pode ser? Como ninguém fez nada por essa mulher? E essa criança (a filha mais nova nessa época já tinha 4 anos), como elas interagem? Onde está esse marido? E os remédios? Mas ela não tem uma fisioterapeuta? Meu Deus, o que é ELA???
Pois é; voltei para casa arrasada e destinada a achar a cura para a ELA... Doce ilusão da ignorância: - a condição de impotência frente à doença é matéria que não se ensina nos bancos da faculdade e tive de aprender sozinha, ora aos prantos, ora olhando para aqueles olhinhos que me respondiam tudo, ou quase tudo.
Diante do inconformismo, levei até D. Rosa fisioterapeuta, fonoaudióloga, psicólogo, enfermeiro, enfim tudo que estava ao meu alcance; E pela primeira vez entendi o que era o trabalho multidisciplinar e o olhar de cada profissional num todo, a fim de gerar uma “qualidade” de vida para aquela paciente.
Fizemos placas de comunicação, colocamos os filhos em um maior contato com a mãe e em acompanhamento psicológico, apertamos os laços entre a família, ensinamos ou fomos ensinados pela cuidadora  e conhecemos o Sr Cravo.
Um ser humano à parte, dedicado a esposa e aos filhos de uma forma incansável, para ele não era necessário placas de comunicação... pelo olhar eles conversavam. E não é força de expressão, eu a presenciei “dizendo” a ele onde estava os exames ao quais eu necessitava, realmente impressionante e comovente.
Quando tudo parecia contornado e meu coração se aquietava a maior e louca notícia: D. Rosa está grávida. O que? Como? Não entendi... Era verdade!
A ELA mantém a sensibilidade, os esfíncteres e a libido, duvida? Pois é, eu acredito!
Inconformada, desanimada e enfurecida fui visitar D. Rosa, lá chegando tudo o que eu na minha pequena alma sentia desapareceu ao ver seus olhos... D. Rosa estava completamente feliz, a possibilidade de gerar uma nova vida, fez florescer nela uma nova vida.
Infelizmente ou felizmente, ainda não sei e penso sobre isso, D. Rosa teve um aborto após alguns dias, o que lhe causou profunda tristeza. Minha ação, simples, foi apenas tentar aproximar ela de seus dois filhos, e de verdade, ajudou.
Em 7 anos a patologia progrediu, acometeu o diafragma e musculatura pulmonar, levando D. Rosa de nós. Seus filhos enfim puderam ser crianças e o Sr. Cravo conseguiu tomar um banho sem ser incomodado após um árduo dia de serviço.  O amor não os deixou perceber a perda da infância, da individualidade, do ser marido e pai. Ao contrário, fez essas almas crescerem, evoluírem e serem como flores que por si só merecem admiração e cuidado.
D. Rosa me fez aprender que o importante não é a cura e sim a alegria de viver ao máximo o que se tem de melhor, a família, o amor, a espiritualidade, a amizade e o suspiro de vida.
Sr. Cravo passa bem, continua sendo um pai a agora também uma mãe dedicado. As crianças estão indo melhor na escola e agora entendem e reconhecem que a aquela criança grande, era a sua mãe.

3 comentários:

  1. A vida tem razões que até a razão desconhece. É uma estória impressionante e achar beleza e aprendizado nessa situação somente pelo olhar sensível e dedicado de quem ama o que faz...

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  2. Realmente, comovente!

    Parabéns! Adorei o seu blog, tem muita alma.

    beijos,
    Daniela

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